JORNAL CORREIO
DO TOCANTINS
22 E 23 DE AGOSTO DE 2013
ANO XXXI EDIÇÃO 2.561
MARABÁ-
PARÁ - BRASIL
CADERNO 1 – GERAL PÁGINAS 4 e 5
Chamada de capa: “ABANDONO
LADRÕES TOMAM CONTA DO QUE RESTOU DA EFA”
22/08/2013
Escola abandonada está perdendo patrimônio para ladrões
Escola abandonada está perdendo patrimônio para ladrões
Área já
está na mira dos sem-teto que especulam invasão para construir casas
ULISSES
POMPEU
“Quem conheceu a estrutura do CAT (Centro
Agroambiental do Tocantins) nos últimos 20 anos e volta lá hoje dá vontade de
chorar. Isso porque a escola que preparou centenas de filhos de pequenos
produtores rurais desde a década de 1990 fechou as portas e seu patrimônio está
sendo dilapidado dia a dia por ladrões porque a área não tem um vigilante
sequer.
Na quinta-feira da última semana, feriado pelo Dia
da Adesão do Pará à Independência do Brasil, a Reportagem do CORREIO DO
TOCANTINS esteve na velha escola, localizada em uma área de 83 hectares em
frente ao estádio municipal que está sendo construído no Km 9 da Rodovia
Transamazônica, em direção a Itupiranga. Nossa equipe pediu auxílio do
ex-coordenador da FATA, Damião Solidade, e não tivemos dificuldades para entrar
nas instalações, apesar de um portão frágil logo na entrada.
As instalações do CAT eram suntuosas, com material
de primeira e estrutura física invejável. Além das quatro salas de aula, o
conjunto de prédio tem também alojamentos para alunos e instrutores, diretoria,
secretaria, biblioteca, salão para reuniões e uma área verde com cerca de 100
castanheiras, a grande maioria delas produzindo.
Desde que as aulas encerraram, em 2010, o
patrimônio não recebeu mais os cuidados que deveria e foi abandonado. De lá
para cá, aos poucos, os ladrões estão saqueando a antiga escola. Já levaram
transformador, parte da fiação elétrica, cadeiras e mesas das salas, livros da
biblioteca, entre outros produtos que custaram caro. Além disso, o que
ainda resta está se deteriorando com a ação nefasta do tempo. É o que acontece,
por exemplo, com um arquivo de documentos da antiga FATA.
O cenário é de que eles foram revirados na procura
por alguma coisa de valor e parte dos papéis e livros estão jogados no chão. A
traça se prolifera e atua sozinha sem ser incomodada naquele espaço.
Várias salas estão abertas ou janelas quebradas, o que facilita a “visita” de
ladrões quase todos os dias.
Eles entram por dentro da mata e levam o que bem
entendem. Se arrebentam uma porta, por exemplo, o barulho não chama a atenção
de ninguém, porque o morador mais perto está há mais de 500 metros dali.
Monitores de computadores também estão ali e dão sinais de que não servem mais
para nada. Material de cozinha, centrais de ar condicionado, entre outros
produtos, teriam sido retirados recentemente pela antiga direção da FATA,
temendo que eles fossem roubados também. Apenas controles remotos ficaram no
local. A Reportagem do CT levantou que alguns moradores da vila São José,
localizada às proximidades da FATA, já se articulam para invadir a área, que
está abandonada. Se isso se confirmar, então os sem-teto vai invadir uma área
dos sem terra, uma vez que ela é administrativa pela Fetagri, que defende os
interesses de 17 sindicatos de trabalhadores rurais.” (Ulisses Pompeu)
Fetagri pretende construir hotel e campo de futebol
“Procurado pela
Reportagem do CORREIO DO TOCANTINS, Antônio Gomes, conhecido como Pipira,
Coordenador Regional da Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura)
para 17 municípios desta região, alega que a Fata (Fundação Agrária do
Tocantins-Araguaia) cumpriu seu papel na história, diz que a estrutura
existente será revitalizada, mas não nos mesmos moldes originais. ‘Ela era uma
instituição bancada com recursos do exterior e quando Lula foi eleito
presidente, essas entidades alegaram que o governo federal brasileiro poderia,
a partir daquele momento, dar continuidade ao projeto da Escola Família
Agrícola, mas isso não aconteceu’, lamenta.
Pipira coloca culpa nos
gestores anteriores da Fata, que não elaboraram projetos para manutenção e
sustentabilidade da Escola Família Agrícola, que recebia filhos de agricultores
para aprenderem a cuidar da terra. ‘Dali, foram formados 72 técnicos agrícolas
que entraram no mercado de trabalho regional após aprenderem naquela
instituição’.
Quando a escola começou a
declinar, em meados da década passada, segundo Pipira, a Prefeitura de Marabá
dava suporte com professores, vigilantes e merenda escolar, disponibilizado,
mas com o passar do tempo esse convênio não foi mantido. ‘A área da Fata requer
muito cuidado e dinheiro por causa das suas grandes dimensões’.
Questionado sobre qual o
futuro daquela área, Pipira diz que há um grande projeto em vista em parceria
com a Vale e HSBC, que poderá tornar-se um centro de qualificação para os
movimentos sociais a partir de um programa de formação política, social,
econômica e ambiental.
Além disso, em função das
grandes dimensões da área (83 hectares), a Fetagri pretende também, segundo
Pipira, construir ali em frente um hotel e um campo de futebol para atender uma
nova demanda, uma vez que ali em frente está em construção o novo estádio
municipal de futebol e os times que vieram jogar contra o Águia vão precisar de
hospedagem e campo para treinamentos. Também está em análise a construção de um
posto de combustível para atender a demanda que será cada vez maior naquela
área.
Sobre os roubos que estão
acontecendo na área, Pipira diz que está tentando, junto a Prefeitura de
Marabá, a cedência de vigilantes para evitar retirada do patrimônio da Fata.
‘Esta semana, máquinas da prefeitura já limparam a estrada e vamos aos poucos
recuperar nossa estrutura’. (U.P.)
Ex-coordenador
da EFA sonha com revitalização
“Damião Solidade dos Santos ex-professor e
coordenador da Escola Família Agrícola que funcionava na área Fata (Fundação
Agrária do Tocantins Araguaia), em Marabá, acredita que o projeto de formação
de trabalhadores rurais deve continuar.
Ele explica que a sua proposta é de que Escola
Família Agrícola (EFA) de Ensino Fundamental “Prof. Jean Hébette” tenha um Projeto
Político Pedagógico fundamentado na história do Movimento Sindical Regional, na
Pedagogia da Alternância, no Projovem Campo e na Escola Nacional de Formação da
Contag (ENFOC) experiência desenvolvida pela FETAGRI – Pará, para escolarização
de 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental de agricultores/as de 18 a 29 anos de
idade. Para mantê-la, ele propõe captação recursos do Programa Nacional de
Educação do Campo (PRONACAMPO) através do Projeto de Educação do Campo e
Extensão Rural por Alternância da Região Sudeste do Estado do Pará (PROEFA).
Na avaliação dele, a EFA não perdeu o sentido
com a criação do IFPA – Campus Rural, porque a atuação da primeira é no nível
do Ensino Fundamental e outras ações de formação voltadas para os Sindicatos
dos/as Trabalhadores/as Rurais. ‘O nosso interesse está baseado na nossa
história, participamos junto com nossos familiares (vinculados à agricultura)
da fundação do CAT. Participamos da EFA de 1993 a 2004. Ficamos afastados/as
desde maio de 2004, distantes, sem contatos ou interferências, principalmente a
partir de 2005. Desde 2010 com menos intensidade levantamos o debate de melhor
utilização da FATA,’ diz Damião. (U.P.)
Gutemberg Guerra lamenta declínio da escola
agrícola
“Provocado por email pela
Reportagem do CT, o professor Gutemberg Guerra, da UFPA, que atuou por vários
anos como educador na Fata em Marabá, enviou um texto intitulado ‘Memória e
história’ em que lamenta o fechamento da entidade e seu estado de abandono:
‘Entre os meados dos anos
80 e 90 do século passado os camponeses organizados em sindicatos conseguiram
mobilizar aliados para o projeto de desenvolvimento regional, angariando
recursos e construindo um patrimônio histórico e cultural que honra os
trabalhadores do campo. Em Marabá, o Centro Agroambiental do Tocantins foi
expressão de alianças de pesquisadores, professores, estudantes universitários
com os homens do campo na perspectiva de se construir um futuro em que os
saberes locais, o uso dos recursos naturais e o acesso aos serviços básicos
fosse um dado concreto.
Da convivência ali
estabelecida, construiu-se um complexo arquitetônico que serviu de espaço para
trabalhos de pesquisa, formação universitária de jovens e de lideranças
políticas camponesas. Recursos dos conhecimentos técnicos e científicos foram
utilizados na construção do espaço físico e no apoio sócio, econômico e antropológico
dos trabalhadores rurais desta região.
Os tempos mudaram com a
chegada dos governos civis, com a consolidação das instituições da sociedade
civil e o amadurecimento da universidade enquanto parceira das populações
locais. Criou-se cursos de educação voltados para o campo, de agronomia voltado
para o atendimento da agricultura familiar e a agroecologia, associações se
multiplicaram na busca do crédito para produção agrícola, assentamentos
substituíram latifúndios improdutivos e especulativos.
Mas há algo que não
funciona bem. O patrimônio do CAT está abandonado, arquivos se degradando,
sujeitos às intempéries do tempo e da memória. Há que se retomar o fôlego, o
espírito de combatividade e a postura de manter os símbolos que vão se perdendo
nas encruzilhadas das trajetórias das organizações.
Da última vez que
conversei com Francisco de Assis Solidade da Costa, então secretário de
formação da Fetagri Pará, ele manifestava clareza sobre o que deveria ser
aquele espaço, revitalizado como escola sindical para os filhos dos
agricultores. Pouco antes houve a ameaça de corte do terreno pela empresa de
processamento do ferro em laminados de aço. É ao mesmo Francisco de Assis
Solidade, atual presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Pará que se deve indagar sobre o que será feito deste espaço de resistência que
está ameaçado de esquecimento e abandono.
A palavra fica com ele e
todos aqueles que representa...”
Gutemberg Guerra – de Paris, especial para o CT.
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