terça-feira, 3 de setembro de 2013

REPORTAGEM SOBRE A FATA EFA DE MARABÁ



JORNAL CORREIO DO TOCANTINS
22 E 23 DE AGOSTO DE 2013
ANO XXXI EDIÇÃO 2.561
MARABÁ-  PARÁ  - BRASIL

CADERNO 1 – GERAL PÁGINAS 4 e 5

Chamada de capa: “ABANDONO LADRÕES TOMAM CONTA DO QUE RESTOU DA EFA”

22/08/2013
 Escola abandonada está perdendo patrimônio para ladrões

Área já está na mira dos sem-teto que especulam invasão para construir casas

ULISSES POMPEU

“Quem conheceu a estrutura do CAT (Centro Agroambiental do Tocantins) nos últimos 20 anos e volta lá hoje dá vontade de chorar. Isso porque a escola que preparou centenas de filhos de pequenos produtores rurais desde a década de 1990 fechou as portas e seu patrimônio está sendo dilapidado dia a dia por ladrões porque a área não tem um vigilante sequer.
Na quinta-feira da última semana, feriado pelo Dia da Adesão do Pará à Independência do Brasil, a Reportagem do CORREIO DO TOCANTINS esteve na velha escola, localizada em uma área de 83 hectares em frente ao estádio municipal que está sendo construído no Km 9 da Rodovia Transamazônica, em direção a Itupiranga. Nossa equipe pediu auxílio do ex-coordenador da FATA, Damião Solidade, e não tivemos dificuldades para entrar nas instalações, apesar de um portão frágil logo na entrada.
As instalações do CAT eram suntuosas, com material de primeira e estrutura física invejável. Além das quatro salas de aula, o conjunto de prédio tem também alojamentos para alunos e instrutores, diretoria, secretaria, biblioteca, salão para reuniões e uma área verde com cerca de 100 castanheiras, a grande maioria delas produzindo.   
Desde que as aulas encerraram, em 2010, o patrimônio não recebeu mais os cuidados que deveria e foi abandonado. De lá para cá, aos poucos, os ladrões estão saqueando a antiga escola. Já levaram transformador, parte da fiação elétrica, cadeiras e mesas das salas, livros da biblioteca, entre outros produtos que custaram caro.   Além disso, o que ainda resta está se deteriorando com a ação nefasta do tempo. É o que acontece, por exemplo, com um arquivo de documentos da antiga FATA.
O cenário é de que eles foram revirados na procura por alguma coisa de valor e parte dos papéis e livros estão jogados no chão. A traça se prolifera e atua sozinha sem ser incomodada naquele espaço.   Várias salas estão abertas ou janelas quebradas, o que facilita a “visita” de ladrões quase todos os dias.
Eles entram por dentro da mata e levam o que bem entendem. Se arrebentam uma porta, por exemplo, o barulho não chama a atenção de ninguém, porque o morador mais perto está há mais de 500 metros dali. Monitores de computadores também estão ali e dão sinais de que não servem mais para nada.  Material de cozinha, centrais de ar condicionado, entre outros produtos, teriam sido retirados recentemente pela antiga direção da FATA, temendo que eles fossem roubados também. Apenas controles remotos ficaram no local.   A Reportagem do CT levantou que alguns moradores da vila São José, localizada às proximidades da FATA, já se articulam para invadir a área, que está abandonada. Se isso se confirmar, então os sem-teto vai invadir uma área dos sem terra, uma vez que ela é administrativa pela Fetagri, que defende os interesses de 17 sindicatos de trabalhadores rurais.” (Ulisses Pompeu)

















Fetagri pretende construir hotel e campo de futebol
Procurado pela Reportagem do CORREIO DO TOCANTINS, Antônio Gomes, conhecido como Pipira, Coordenador Regional da Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) para 17 municípios desta região, alega que a Fata (Fundação Agrária do Tocantins-Araguaia) cumpriu seu papel na história, diz que a estrutura existente será revitalizada, mas não nos mesmos moldes originais. ‘Ela era uma instituição bancada com recursos do exterior e quando Lula foi eleito presidente, essas entidades alegaram que o governo federal brasileiro poderia, a partir daquele momento, dar continuidade ao projeto da Escola Família Agrícola, mas isso não aconteceu’, lamenta.
Pipira coloca culpa nos gestores anteriores da Fata, que não elaboraram projetos para manutenção e sustentabilidade da Escola Família Agrícola, que recebia filhos de agricultores para aprenderem a cuidar da terra. ‘Dali, foram formados 72 técnicos agrícolas que entraram no mercado de trabalho regional após aprenderem naquela instituição’.
Quando a escola começou a declinar, em meados da década passada, segundo Pipira, a Prefeitura de Marabá dava suporte com professores, vigilantes e merenda escolar, disponibilizado, mas com o passar do tempo esse convênio não foi mantido. ‘A área da Fata requer muito cuidado e dinheiro por causa das suas grandes dimensões’.
Questionado sobre qual o futuro daquela área, Pipira diz que há um grande projeto em vista em parceria com a Vale e HSBC, que poderá tornar-se um centro de qualificação para os movimentos sociais a partir de um programa de formação política, social, econômica e ambiental.
Além disso, em função das grandes dimensões da área (83 hectares), a Fetagri pretende também, segundo Pipira, construir ali em frente um hotel e um campo de futebol para atender uma nova demanda, uma vez que ali em frente está em construção o novo estádio municipal de futebol e os times que vieram jogar contra o Águia vão precisar de hospedagem e campo para treinamentos. Também está em análise a construção de um posto de combustível para atender a demanda que será cada vez maior naquela área.
Sobre os roubos que estão acontecendo na área, Pipira diz que está tentando, junto a Prefeitura de Marabá, a cedência de vigilantes para evitar retirada do patrimônio da Fata. ‘Esta semana, máquinas da prefeitura já limparam a estrada e vamos aos poucos recuperar nossa estrutura’. (U.P.)     








Ex-coordenador da EFA sonha com revitalização

“Damião Solidade dos Santos ex-professor e coordenador da Escola Família Agrícola que funcionava na área Fata (Fundação Agrária do Tocantins Araguaia), em Marabá, acredita que o projeto de formação de trabalhadores rurais deve continuar.
Ele explica que a sua proposta é de que Escola Família Agrícola (EFA) de Ensino Fundamental “Prof. Jean Hébette” tenha um Projeto Político Pedagógico fundamentado na história do Movimento Sindical Regional, na Pedagogia da Alternância, no Projovem Campo e na Escola Nacional de Formação da Contag (ENFOC) experiência desenvolvida pela FETAGRI – Pará, para escolarização de 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental de agricultores/as de 18 a 29 anos de idade. Para mantê-la, ele propõe captação recursos do Programa Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO) através do Projeto de Educação do Campo e Extensão Rural por Alternância da Região Sudeste do Estado do Pará (PROEFA).
Na avaliação dele, a EFA não perdeu o sentido com a criação do IFPA – Campus Rural, porque a atuação da primeira é no nível do Ensino Fundamental e outras ações de formação voltadas para os Sindicatos dos/as Trabalhadores/as Rurais. ‘O nosso interesse está baseado na nossa história, participamos junto com nossos familiares (vinculados à agricultura) da fundação do CAT. Participamos da EFA de 1993 a 2004. Ficamos afastados/as desde maio de 2004, distantes, sem contatos ou interferências, principalmente a partir de 2005. Desde 2010 com menos intensidade levantamos o debate de melhor utilização da FATA,’ diz Damião. (U.P.)     













Gutemberg Guerra lamenta declínio da escola agrícola
Provocado por email pela Reportagem do CT, o professor Gutemberg Guerra, da UFPA, que atuou por vários anos como educador na Fata em Marabá, enviou um texto intitulado ‘Memória e história’ em que lamenta o fechamento da entidade e seu estado de abandono:
‘Entre os meados dos anos 80 e 90 do século passado os camponeses organizados em sindicatos conseguiram mobilizar aliados para o projeto de desenvolvimento regional, angariando recursos e construindo um patrimônio histórico e cultural que honra os trabalhadores do campo. Em Marabá, o Centro Agroambiental do Tocantins foi expressão de alianças de pesquisadores, professores, estudantes universitários com os homens do campo na perspectiva de se construir um futuro em que os saberes locais, o uso dos recursos naturais e o acesso aos serviços básicos fosse um dado concreto.
Da convivência ali estabelecida, construiu-se um complexo arquitetônico que serviu de espaço para trabalhos de pesquisa, formação universitária de jovens e de lideranças políticas camponesas. Recursos dos conhecimentos técnicos e científicos foram utilizados na construção do espaço físico e no apoio sócio, econômico e antropológico dos trabalhadores rurais desta região.
Os tempos mudaram com a chegada dos governos civis, com a consolidação das instituições da sociedade civil e o amadurecimento da universidade enquanto parceira das populações locais. Criou-se cursos de educação voltados para o campo, de agronomia voltado para o atendimento da agricultura familiar e a agroecologia, associações se multiplicaram na busca do crédito para produção agrícola, assentamentos substituíram latifúndios improdutivos e especulativos.
Mas há algo que não funciona bem. O patrimônio do CAT está abandonado, arquivos se degradando, sujeitos às intempéries do tempo e da memória. Há que se retomar o fôlego, o espírito de combatividade e a postura de manter os símbolos que vão se perdendo nas encruzilhadas das trajetórias das organizações.
Da última vez que conversei com Francisco de Assis Solidade da Costa, então secretário de formação da Fetagri Pará, ele manifestava clareza sobre o que deveria ser aquele espaço, revitalizado como escola sindical para os filhos dos agricultores. Pouco antes houve a ameaça de corte do terreno pela empresa de processamento do ferro em laminados de aço. É ao mesmo Francisco de Assis Solidade, atual presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará que se deve indagar sobre o que será feito deste espaço de resistência que está ameaçado de esquecimento e abandono.
A palavra fica com ele e todos aqueles que representa...”
Gutemberg Guerra – de Paris, especial para o CT.

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